
Hoje voltei a sentir a vibração das ruas de Natal. Fazia anos que eu não caminhava em meio a uma multidão que pulsa no mesmo compasso. A cada passo eu me lembrava das marchas estudantis que marcaram o início dos anos 2000, quando gritávamos por melhorias nas escolas, quando ocupávamos a Câmara Municipal de Natal em busca de voz, quando resistíamos na Governadoria para mostrar que a juventude não tinha medo de seus governantes. Lembrei também da Revolta do Busão, quando a cidade inteira se levantou contra o aumento das passagens e a juventude deu um recado forte de que não se curva diante das injustiças.
Hoje, também reencontrei companheiros dessas jornadas. Vi abraços demorados, olhares que dispensavam palavras, sorrisos de quem reconhece que a luta nos manteve vivos. Cada reencontro era uma lembrança. Cada rosto trazia a memória de noites mal dormidas, de assembleias intermináveis, de cartazes pintados às pressas, de cantos que ecoavam pelas ruas estreitas no centro da cidade.
Mas não foi apenas a memória que marcou o dia. O que me emocionou foi a pluralidade que tomou conta das ruas de Natal. Vi estudantes, sindicalistas, trabalhadores, professores, servidores, militantes de partidos diferentes, coletivos independentes, movimentos de bairro. Vi pessoas que muitas vezes estiveram em lados opostos de debates duros caminhando lado a lado. Vi a unidade que só aparece quando a causa é maior do que as diferenças.
E, no meio dessa multidão, o que mais me tocou foi ver a juventude renovada. Jovens que talvez tenham apenas ouvido falar das greves estudantis e das revoltas populares anteriores estavam ali gritando com a mesma força, com a mesma coragem, com a mesma esperança. Eles levantavam bandeiras novas, mas entoavam palavras que um dia já foram nossas. A energia deles se misturava à experiência dos mais velhos e criava uma força que parecia impossível de conter.
Natal hoje mostrou que quando a democracia é atacada os progressistas se unem. Mostrou que a memória das lutas não se perdeu. Mostrou que a chama que acendemos décadas atrás não se apagou. Ela passou de mão em mão, atravessou gerações e continua iluminando os caminhos.
Foi impossível não recordar as marchas estudantis, as greves que arrastaram multidões para as praças, as ocupações, a coragem de enfrentar a repressão sem abaixar a cabeça. Cada passo dado hoje me fez reviver essas memórias, como se o tempo tivesse voltado e a chama da juventude tivesse sido reacendida dentro de mim.
Hoje, senti a mesma energia. O mesmo espírito de resistência que um dia paralisou Natal estava ali diante dos meus olhos.
Mas havia algo novo. Havia a urgência de enfrentar um inimigo ainda mais perigoso. O bolsonarismo não é apenas um projeto de governo. É um projeto de destruição da democracia. É a mentira transformada em método político. É a tentativa de apagar direitos e de transformar a violência em regra. Ver novamente as ruas cheias contra esse projeto foi a prova de que o Brasil não se rendeu.
Estar de volta me trouxe a certeza de que a luta não terminou. O bolsonarismo precisa ser derrotado e não apenas nas urnas. Precisa ser varrido da história junto com o seu líder condenado. Precisa ser lembrado como um período sombrio que não pode se repetir. A cada bandeira erguida, a cada grito de resistência, eu vi o futuro nascer.
Senti que não estou sozinho. Vi rostos conhecidos e rostos novos. Vi gerações se misturando. Vi jovens que não viveram as lutas do passado carregando agora a responsabilidade de construir as próximas. E percebi que meu retorno às ruas não era apenas uma volta pessoal. Era um reencontro com a história. Era a confirmação de que as lutas que travamos no passado abriram caminhos para que hoje pudéssemos estar juntos novamente, lado a lado, prontos para enfrentar o desafio de derrotar o fascismo e reconstruir o Brasil.
Dayvson Moura, advogado ambientalista, professor e ativista político.
