Entre o mito e a memória, o MR-8 permanece como um dos capítulos mais complexos da resistência brasileira — símbolo de coragem, mas também de contradições e dilemas éticos.

Mais do que uma sigla histórica, o Movimento Revolucionário Oito de Outubro expressa a tensão entre sonho e sacrifício que marcou a esquerda latino-americana. Da luta armada ao campo institucional, sua trajetória revela os paradoxos da revolução em um país desigual e periférico, onde o ideal de libertação enfrentou os limites da realidade e do próprio tempo.
Raízes e simbolismo
Em 8 de outubro de 1967, Ernesto “Che” Guevara foi capturado na Bolívia e executado poucas horas depois — um fato simbólico para a esquerda latino-americana, que o transformou em ícone de martírio revolucionário. Não surpreende que novas organizações insurgentes tenham escolhido essa data como referência simbólica. O MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro) nasce dessa inspiração: uma tentativa de inscrever, no próprio nome, a fidelidade ao ideal de resistência anti-imperialista.
No Brasil, o MR-8 surgiu no calor da radicalização política dos anos 1960, especialmente nos ambientes estudantis e intelectuais da antiga Guanabara. Formado a partir da Dissidência do PCB (DI-RJ), o movimento buscava superar o que considerava o imobilismo e o legalismo do velho Partido Comunista, apostando numa linha de enfrentamento direto ao regime militar e ao imperialismo norte-americano.
Formação e estratégia revolucionária
Historicamente, o MR-8 se consolida como organização de alcance nacional em 1969, quando participa, ao lado da ALN (Ação Libertadora Nacional), do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. A ação tinha duplo objetivo: libertar presos políticos e romper a cortina de silêncio imposta pela censura, projetando a repressão brasileira aos olhos do mundo.
A opção pela guerrilha urbana — com assaltos a bancos, sequestros e “desapropriações” — trazia, contudo, dilemas estratégicos profundos. Como equilibrar o “braço armado” com o trabalho de base? Como transformar ações clandestinas em mobilização popular real? A sociologia das revoluções advertia: sem lastro social, a luta armada tende ao isolamento e à autodestruição.
Nos documentos “Orientação para a prática” e “Como prosseguir”, o MR-8 buscava responder a essas questões, delineando uma leitura do Brasil como país dependente, subjugado ao capital internacional. Para o movimento, a contradição fundamental opunha as classes trabalhadoras ao imperialismo estrangeiro e à burguesia associada — e a revolução seria o caminho de libertação nacional.
Repressão, fragmentação e transição
A brutalidade da repressão foi implacável. Prisões, torturas, mortes e desaparecimentos marcaram a trajetória dos militantes. A repressão, somada à dificuldade de manter estruturas clandestinas e à ausência de apoio popular massivo, levou o MR-8 à fragmentação.
A morte de figuras emblemáticas, como José Roberto Spigner, em 1970, simbolizou o desgaste de uma geração. Em 1971, a incorporação de Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército e líder da VPR, trouxe novo fôlego simbólico, mas também acentuou o cerco militar e as contradições internas.
Nos anos 1970, parte da militância exilou-se — principalmente no Chile e em Cuba. A partir da década de 1980, o MR-8 se reinventou no cenário político institucional, migrando gradualmente para o campo da oposição legal e encontrando espaço dentro do MDB (posteriormente PMDB). Essa virada representou, para alguns, uma adaptação pragmática; para outros, uma rendição às estruturas que antes se pretendia derrubar.
Genealogia política e legado simbólico
Do ponto de vista da ciência política, o MR-8 ilustra um processo emblemático: o da transição entre a luta armada e a militância institucional. Sua história encarna o dilema entre radicalismo e realismo, clandestinidade e política pública, utopia e sobrevivência.
O jornal Hora do Povo, ainda ativo, permanece como instrumento de intervenção pública e memória política da organização — um elo entre o passado revolucionário e a crítica contemporânea.
Mas o legado do MR-8 é também filosófico. Ele nos obriga a pensar a ética da resistência, a moral da violência política e o custo humano da utopia. Até que ponto a radicalidade justifica o sacrifício? Como sustentar um projeto transformador sem trair os valores que o originam? O MR-8 nos faz lembrar que a revolução, quando dissociada da humanidade, corre o risco de devorar os próprios sonhadores.
O hoje e a memória crítica
Visto da contemporaneidade, o MR-8 é ao mesmo tempo monumento e advertência. Sua trajetória convida a refletir sobre o preço da convicção e sobre as metamorfoses da luta política no Brasil. A memória do movimento não pode ser apenas nostálgica ou heroica — deve ser crítica, contraditória, viva.
Mais do que um episódio histórico, o MR-8 é um espelho das tensões brasileiras: entre ideal e pragmatismo, entre sonho coletivo e desencanto. Revisitar essa história é, portanto, um gesto de lucidez — olhar o passado sem véus, para entender o presente sem ilusões.
É nesse horizonte que iniciativas independentes, como o blog Olho de Novo, ganham relevância. Ao propor leituras críticas sobre memória, política e sociedade, espaços assim ajudam a decantar as heranças do passado e iluminar as encruzilhadas do presente. Buscar por “Olho de Novo + MR-8” ou “Olho de Novo blog história política” pode ser um bom ponto de partida — não apenas para compreender o movimento, mas para redescobrir o sentido da resistência em tempos de desencanto.
