
“Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades.”— Cazuza
Natal amanhece, mais uma vez, sob o sol quente de velhas práticas. O calor do poder parece sempre o mesmo, ainda que os rostos mudem. Agora, o noticiário traz à tona o nome da vice-prefeita Joana Guerra, que decidiu mover uma ação judicial contra o jovem jornalista Habyner Lima — aquele que ousou fazer o que a imprensa grande às vezes teme: mostrar a nudez do poder.
Habyner não inventou nada. Ele mostrou. Mostrou o que estava publicado no Diário Oficial: a nomeação do pai de Joana, José Lucilo Guerra, para um cargo na Secretaria Municipal de Serviços Urbanos; e a nomeação da companheira da vice-prefeita, Aene Regina Fernandes, para um cargo jurídico na Secretaria de Infraestrutura.
O vídeo do jovem — direto, sem maquiagem, gravado com a coragem de quem só tem a própria voz — viralizou. E o que fez a vice-prefeita? Em vez de explicar, processou. Pediu na Justiça o silêncio do outro. Pôs no banco dos réus a liberdade de expressão.
E o que é mais grave: não se trata de um caso isolado. É apenas mais um capítulo da velha novela potiguar chamada “O Amor no Poder”.
O espelho de Styvenson Valentim
Poucos meses atrás, o senador Styvenson Valentim, aquele que se vendeu como o “paladino da moralidade”, também viu seu discurso se despir diante dos fatos. Sua namorada foi nomeada no Senado. Quando a repercussão cresceu, foi exonerada — e pouco depois reapareceu, magicamente, nomeada na Prefeitura de Natal, em cargo comissionado sob comando de aliados políticos.
O amor, no poder, parece ter o dom da ubiquidade: muda de prédio, mas não de lógica.
Styvenson e Joana — dois nomes distintos, mas o mesmo roteiro. O mesmo enredo de nepotismo, nepotismo cruzado, e o mesmo desprezo pela inteligência do eleitor.
Ambos transformam o espaço público em extensão de afetos privados, confundem o Estado com a sala de casa, e chamam de perseguição aquilo que é, na verdade, jornalismo.
Nepotismo: o vírus que sobrevive à democracia
O nepotismo é uma doença antiga, e o nepotismo cruzado é sua mutação mais sofisticada.
O primeiro é a nomeação direta de parentes.
O segundo é o “escambo moral”: eu nomeio o teu, tu nomeias o meu — e todos posam de éticos.
No caso de Joana, o argumento de defesa é o mesmo que já ouvimos antes: “não há vínculo formal de companheira”.No caso de Styvenson, a justificativa também foi de “não há ilegalidade, apenas coincidência”.
E assim, entre tecnicalidades e brechas, o poder vai se protegendo de si mesmo — e o público, que deveria ser público, continua sendo herança de família.
O silêncio como estratégia
A ação judicial contra Habyner Lima não é apenas uma tentativa de indenização; é um ato simbólico de intimidação.
Não é apenas o processo contra um repórter — é o aviso velado a todos os que ousarem perguntar.
Mas a História é teimosa. E o que tentam calar, ecoa.
Assim como o vídeo de Habyner correu pelas redes, o caso Joana se junta ao caso Styvenson para compor um retrato mais amplo do Rio Grande do Norte político a direita: uma terra em que os discursos da “nova política” envelhecem em poucos meses, porque o poder, aqui, parece ser uma herança genética.
Um museu de grandes novidades
Eu vejo o futuro refletir o passado.
Eu vejo o Senado e a Prefeitura, a moral e o jeitinho, o discurso e a prática — tudo se espelhando, tudo se repetindo.
Joana processa o jornalista.Styvenson defende-se dizendo que “não há ilegalidade”.E a cidade segue, exausta, pedindo ética, pedindo transparência, pedindo apenas o óbvio: respeito à coisa pública.
O nome disso não é moralidade.
É teatro.
E Natal, cansada de reprises, já merecia outro espetáculo.
